Sem comida e deslocados de suas casas, muçulmanos do enclave palestino tentam celebrar como podem o mês sagrado. Há ainda temor de que tensões transbordem para Jerusalém Oriental, anexada por Israel. Poucos dias antes do início do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos, as ruas da Cidade Velha de Jerusalém Oriental estavam mais silenciosas do que o normal. Ao contrário de outros anos, não há luzes festivas do Ramadã nas vielas estreitas. O clima é sombrio, com um ar de incerteza sobre como será o desenrolar do mês sagrado de jejum e oração. "Não sentimos o Ramadã", disse Um Ammar, enquanto caminhava pela rua Al-Wad, uma das principais vias da cidade antiga. A guerra em Gaza está na mente de todos, disse ela. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, cerca de 31 mil pessoas foram mortas – e as agências humanitárias alertam para a fome crescente.
"Teremos um iftar aqui. Mas há muita gente em Gaza que não poderá comer porque não há comida", disse ela, referindo-se à refeição que quebra o jejum ao pôr do sol. "Quando as pessoas se sentarem à mesa, de qual Ramadã estarão falando? Isto não é Ramadã, parece mais um velório para prestar condolências", lamentou.
Os sentimentos dela são ecoados por outras pessoas da vizinhança. Hashem Taha administra uma loja de especiarias na rua Al-Wad. "Jerusalém está muito triste, o povo de Gaza é o nosso povo, é uma família e estamos muito afetados pelo que vemos lá", disse Taha.
Esperança de um Ramadã calmo em Jerusalém
Ao longo dos anos, os comerciantes e residentes do bairro têm presenciado tensão e violência entre a polícia fronteiriça israelense e os residentes palestinos. A maioria, porém, espera que a atual relativa calma em Jerusalém prevaleça neste Ramadã.
Perto da loja de Taha, a polícia fronteiriça israelense deteve jovens palestinos para verificar suas identidades e seus pertences. "Eles tornam as coisas muito difíceis para nós e assediam constantemente as pessoas", disse Taha.
Este ano, a guerra em Gaza, que começou depois de militantes do Hamas matarem 1.200 pessoas no sul de Israel e fazerem mais de 240 reféns em 7 de outubro, lança uma sombra sobre o Ramadã que, em 2024, começa neste domingo (10/03) à noite.
No passado, as tensões centraram-se em torno do complexo da Mesquita de Al-Aqsa, conhecido pelos muçulmanos como Haram al-Sharif ou Nobre Santuário e pelos judeus como Monte do Templo, onde se encontra o Muro das Lamentações. O local é considerado sagrado tanto por muçulmanos quanto por judeus. Durante o Ramadã, centenas de milhares de muçulmanos reúnem-se ali para rezar na grande praça em frente à mesquita de Al-Aqsa.
Em fevereiro, o ministro da Segurança Nacional de Israel, o político de extrema-direita Itamar Ben-Gvir, apelou a restrições abrangentes ao número de fiéis autorizados a visitar o local sagrado. Tais medidas – como a introdução de restrições de idade – conduziram a frequentes confrontos entre a polícia e os palestinos.
No dia 5 de março, porém, o governo israelense anunciou a rejeição aos planos de Ben Gvir. "Durante a primeira semana do Ramadã, os fiéis serão autorizados a entrar no Monte do Templo em números semelhantes aos dos anos anteriores", disse um comunicado do gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. "O Ramadã é sagrado para os muçulmanos; sua santidade será preservada este ano, como em todos os anos". No entanto, será realizada "uma avaliação semanal dos aspectos de segurança", a fim de que sejam tomadas medidas adequadas. Ainda não está claro, porém, se palestinos da Cisjordânia ocupada conseguirão entrar em Jerusalém.
O Hamas – listado como organização terrorista por Israel, pelos EUA, pela UE e outros – também procurou usar a seu favor a importância do local sagrado para os palestinos e muçulmanos em todo o mundo. Na semana passada, num discurso televisionado, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, apelou aos palestinos na Cisjordânia ocupada para marcharem até à Mesquita de Al-Aqsa no primeiro dia do Ramadã.
Religiosos saúdam decisão
As autoridades religiosas saudaram a decisão do gabinete do primeiro-ministro de, incialmente, não restringir o número de fiéis muçulmanos.
"Estamos muito felizes que neste mês abençoado há coisas que começaram a ficar claras para os muçulmanos em relação à abertura das portas da Mesquita de Al-Aqsa a todos os visitantes sem restrição de idade", disse o xeque Azzam al-Khatib à DW em Jerusalém.
Ele é diretor do Waqf de Jerusalém, o órgão responsável pela implementação da custódia jordaniana sobre locais sagrados islâmicos e cristãos em Jerusalém e em outras áreas.
"Nosso objetivo é orar e jejuar lá e chegar à mesquita em completa paz e serenidade. E também deixar a mesquita em completa paz e serenidade", destacou.
Cessar-fogo no Ramadã
O início do Ramadã também foi definido como uma espécie de prazo para os recentes esforços dos mediadores dos EUA, do Catar e do Egito conseguirem um novo acordo de cessar-fogo temporário entre Israel e o Hamas. No entanto, uma trégua e a libertação dos 134 reféns israelenses que se acredita ainda estarem detidos pelo Hamas permanece indefinidas.
Havia esperanças em Gaza de que um cessar-fogo, mesmo que temporário, pudesse trazer algum alívio no mês sagrado. Pelo menos haveria menos medo e ansiedade, disse Nour Al-Muzaini à DW via WhatsApp. O homem de 36 busca há seis meses um local seguro – primeiro da cidade de Gaza para Khan Younis e depois para a fronteiriça de Rafah.
"No Ramadã observamos rituais que são parte integrante de nossas vidas normais, como quebrar o jejum, rezar e atos de adoração. É um mês de misericórdia e perdão, mas é difícil observar quando você está deslocado", explica.
Barraca decorada
Tamer Abu Kwaik está preocupado com seus filhos. Ele e a família vivem agora numa tenda em Rafah, depois de uma jornada desde o norte de Gaza. O Ramadã, conta Abu Kwaik, sempre foi um momento especial para a família.
"Antes da guerra, costumávamos criar um ambiente bonito para as crianças. Mas agora, no meio da guerra, fazemos o nosso melhor para colocar sorrisos nos seus rostos", lamenta. "Mas, mesmo quando decoro a barraca, percebo que não será mais como era antes", disse em uma mensagem no WhatsApp, enviada de Rafah.
A incerteza sobre o que está por vir tem sido particularmente difícil de enfrentar.
"Estamos tentando lidar psicologicamente com esta crise, esperando que a guerra termine em breve e que haja um cessar-fogo para que possamos regressar para casa", conta Abu Kwaik. "Minha própria casa foi demolida. Muitas vezes me pergunto o que farei quando a guerra terminar".
Sem um novo cessar-fogo e uma libertação de reféns, Israel planeja estender sua operação terrestre a Rafah, onde cerca de 1,4 milhões de palestinos deslocados estão abrigados.
Hazem Balousha contribuiu com a reportagem de Amã com Tania Krämer de Jerusalém/Caminho Político
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